Na segunda, 21/09, a partir das 18h, ocorre mais uma edição do projeto #Anarqueológicas, com a Conversa aberta com Caroline Valansi.
Caroline Valansi é artista visual, professora e trabalha com saúde mental. Sua produção artística transita entre a palavra, o espaço e a ficção. Suas obras sempre foram enraizadas em seu forte interesse em traços coletivos e histórias íntimas. Caroline utiliza materiais familiares em sua pesquisa: fotos de salas de cinemas, velhos filmes pornográficos, imagens encontradas da internet e suas próprias fotografias, colagens e desenhos e, juntos, somam uma ampla exploração de representações da sexualidade feminina contemporânea.
Convidamos todas e todos a conhecer as obras de Caroline Valansi em seu site, que contém registros e informações sobre vários trabalhos, como Arqueologia do sensível (2013), Imagens submersas (2014), Pornografia política (2015) e Cine Desejo (2020). Leia mais em sobre a artista aqui e acompanhe seu perfil no Instagram.
A conversa será transmitida pelo YouTube (e você pode participar com comentários e perguntas pelo chat da plataforma). E haverá certificado de participação!
Um mapa para chegar à conversa com Caroline
Você já se perguntou o que é arqueologia do sensível?
Quando criamos o grupo, a noção de arqueologia do sensível apareceu como uma forma de definir um modo de abordagem e um campo de forças que nos interessava interrogar.
Abaixo, uma fotografia da instalação Arqueologia do sensível (2013), de Caroline Valansi
A abordagem designada pela noção de arqueologia indicava nosso desejo de dedicar uma atenção cuidadosa à multiplicidade de tempos que se sedimenta e se revira a cada inscrição e a cada movimento no tempo da história, que se torna, assim, movimento entre tempos, desalojando qualquer ideia de linearidade histórica.
Cine Desejo (2020)
O sensível aparecia, por sua vez, como designação do que poderíamos denominar um objeto ou um campo empírico de estudo, mas apenas se repensarmos a concepção cada uma dessas noções. O empírico emerge então como espaçamento de experiências e experimentações que se multiplicam. Por sua vez, em vez de ser visto como instrumento de uma pedagogia, o estudo se torna uma prática derivativa (um pouco como se pode falar de estudos na música para definir exercícios marcados pela busca de variações). Já a noção de objeto deve ser reinvestida por uma espécie de deriva animista e fetichista, fazendo reconhecer no sensível, como objeto, a sua pulsação vital, inquieta, ingovernável, sua constitutiva irredutibilidade, portanto, a qualquer conceito de objeto, enquanto permanece igualmente exterior a todo sujeito.
Cine Desejo (2020)
Somente um pouco depois da criação do grupo, quando já tínhamos iniciado nossas atividades e derivas, pensamos em procurar por usos da noção em outros contextos e nos deparamos com a obra de Caroline Valansi intitulada Arqueologia do sensível, de 2013.
Arqueologia do sensível (2013)
Na descrição contida em seu site, essa instalação é assim descrita:
Arqueologia do Sensível. Na sala expositiva, portas-retrato são espalhados pelas paredes. Cada um deles com formato, grossura e espessura diversas evidenciando uma época e uma história distinta. Olhando mais de perto, buscam-se imagens figurativas, uma vez que é isso que os portas-retrato evocam, mas nada disso é encontrado. É necessário escavar-se internamente para encontrar o que aquelas abstrações podem suscitar. Os portas-retrato são cobertos de terra na parte da moldura. São terras roxa, marrom, preta, entre outras. Terras essas que guardei durante viagens e com tempo criei um inventário com os diferentes tipos de solo. No espaço reservado à imagem cubro de pó de pirita, pedra semi preciosa (de cor prateada), conhecida como “ouro dos tolos” mas que também está relacionada à prosperidade e ao belo. Possui um brilho que chama a atenção. O minério e os sais de prata, presentes nos papéis fotográficos para gravar com luz uma imagem, são aqui substituídos por minérios em estado bruto, que refratam a luz do presente, dentro de um símbolo do passado. A obra fala de uma relação de persistência, das coisas que mantemos dentro de casa por costume, tradição, coleção, apego. A relação com o antigo, com o que passou, mas de que não somos capazes nos desvencilhar e acabam, assim, por construir significados e metáforas sobre sua existência no mundo. A atribuição de significados a objetos inanimados é uma característica humana. Definido como relíquia, um objeto de interesse, por causa de sua idade ou associações com o passado, a lembrança e o fetiche. As fotografias sempre foram relacionadas com o fantasmagórico, o espectral, com uma capacidade quase mágica de capturar um espírito. Este pensamento mágico, de uma ordem não racional, cria uma reverência e até mesmo uma devoção a estes objetos que, sendo relíquia e/ou fetiche, procuram captar um instante decisivo de uma experiência, uma pessoa ou ambos.
As peças da instalação nos remetem a objetos achados em escavações arqueológicas, perdidas, soterradas e possui uma importância por conter um lastro de tempo incalculável. Os portas-retrato parecem peças frágeis e sua terra pode esfarelar fisicamente com o manuseio, mas estando cobertos com muitas camadas de uma terra-pó feita da matéria intangível do tempo, não existe o risco de um esfarelamento total, está grudada pelo desejo de permanência. Objetos isolados que falam por si só, como as fotografias assim são, aqui funcionam como um conjunto, mas trazem um novo desafio: a construção de um ambiente inteiro com um material primitivo como a terra e a pirita misturada à cola, confundindo a visão que busca a figuração tradicional. O trabalho traz um olhar sobre os nossos legados, nossas escolhas e principalmente nossa relação com bens materiais e afetivos e como eles podem se misturar dentro de nós. Como o excesso de passado, e exagero de imagens ao nosso redor podem nos preencher de vazio numa ânsia de construir uma memória permanente.
O encontro fortuito entre o itinerário do grupo e a obra de Caroline Valansi foi a motivação inicial para que a convidássemos para uma conversa aberta, para escutar seu modo de compreender a noção de arqueologia do sensível, enquanto entramos em contato com suas obras diversas e o tipo de intervenção que operam no que Jacques Rancière denomina partilha do sensível.
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